domingo, 30 de dezembro de 2012

Inimiga íntima


Sites de relacionamento são excelentes ferramentas para saber o paradeiro de pessoas que um dia fizeram parte de nossas vidas, mas a mesma se encarregou de separar.
Graças a esses sites reencontrei amigos de adolescência, colegas de escola e de trabalho. Alguns reencontros passaram do virtual para o real. Outros continuaram virtuais pela distância ou outro motivo. Mas valeram a pena mesmo assim.
Um belo dia eu estava de bobeira em casa e o diabinho do ócio sussurrou ao meu ouvido uma idéia: Por que não procurar aquela sua ex-amiga de adolescência que se tornou sua inimiga?
E não é que eu a encontrei no Facebook? Numa única foto constatei que ela está gorda, velha e com a cara igual à da mãe dela… (risadas satânicas)
Bom, provavelmente ela acharia a mesma coisa de mim se me visse hoje.
Conheci-a quando eu tinha uns catorze anos. Estudávamos juntas na Cultura Inglesa.
A família de O. (prefiro não revelar o nome) era meio esquisita. Na sua casa não tinha televisão. Não porque não tivessem condições, mas os pais achavam que a televisão alienava e coisas do gênero. Entretanto O. vivia enfiada na casa das amigas (na minha inclusive) para assistir a todo lixo televisivo alienante a que não tinha direito em sua própria casa.
O pai era jornalista, a mãe parecia uma agente carcerária. O. era filha única e morria de medo da mãe, apesar de não dar o braço a torcer.  A família gostava de passar uma imagem de intelectuais que não davam valor a bens de consumo. Meio fábula da raposa e as uvas.
Ela tocava piano. Eu tocava violão. Tanto eu quanto ela estudávamos em colégios de freira, diferentes um do outro.
A amizade começou com uma disputa saudável na Cultura Inglesa. Devo dizer em favor de O. que ela me ajudou a me interessar de verdade pela lingua inglesa, além dos Beatles.
Ela era CDF, eu não queria nem saber. E mesmo assim minhas notas eram sempre meio ponto acima das dela. Isso a deixava irada! rsrs
A gente ia ao cinema, à praia, conversávamos bastante. Como todo adolescente eu era muito insegura, acho até que mais insegura do que a média. Me achava feia e gorda. Achava que nunca teria um namorado e todas aquelas coisas que a gente acha quando é adolescente.
No início eu não percebia que sempre que tinha oportunidade, O. fazia um comentário depreciativo a meu respeito. Alguns muito en passant, outros mais contundentes.
Não percebia a maldade das coisas que ela falava, pois além de ser feia e gorda eu também era ingênua de doer! E como qualquer adolescente, dava muita importância a tudo que meus amigos falavam. Então se minha grande amiga dizia que era assim, é porque ela tinha razão! Eu realmente era feia, gorda, inexpressiva e medíocre.
O que eu custei algum tempo para perceber é que O. tinha inveja de mim. Inveja por eu tirar nota maior do que a dela mesmo sem estudar. Inveja porque minha família tinha um pouco mais de posses do que a dela e não posava de intelectual, e graças a isso eu podia comprar os discos de rock, pop e trilhas sonoras de novela que eu queria. Na casa dela só se podia escutar música clássica. Outro tipo de musica só quando a mãe dela não estava.  Inveja do fato de eu ter liberdade de pedir dinheiro para lanchar no Gordon (que saudades do Gordon!), e o máximo que eu ouviria era “NÃO”, sem ser obrigada a ouvir sermão da carcereira-mãe sobre a alienação provocada pela sociedade de consumo.
Foram anos achando que ela estava certa e eu realmente era um cú. Ela fazia o estilo morde-assopra. Por isso minha ficha custou a cair. Era ardilosa ao ponto de me desmerecer na frente dos meus outros amigos, como na vez em que ela falou que eu não tocava bem violão. Quem tocava bem era Marcia,  pois tinha o toque mais suave. Marcia era minha amiga e também estudava violão. E O., sempre que podia a enaltecia para me diminuir. Só que na época, com a auto-estima no pé, eu não percebia o jogo dela.
Aos poucos a amizade foi murchando e as patadas aumentando. Ela já não se dava ao trabalho de ser sutil, dizia as coisas na lata mesmo. Quando arrumou um namorado começou a me ignorar de todo, afinal agora ela era importante por ter um namorado e eu não.
Quando meus pais se separaram para ela foi a glória! O. saiu espalhando para todo mundo as confidências que eu lhe fazia por considera-la grande amiga. Distorcia informações, inventava outras.
Foi aí que eu virei  jogo. Soube das fofocas que ela fazia através de amigas dela que ficaram indignadas e vieram me contar.
Liguei para a casa dela e descasquei. Disse em poucas palavras para ela não me procurar mais. E ela não procurou.
Alguns amigos para me vingar fizeram uma espécie de bullying com ela. rsrs Nada muito grave. Inscreviam o nome dela para receber os mais diferentes produtos. Cintas emagrecedoras, livros de auto-ajuda, cursos diversos. Também escreviam em seu nome para revistas ou pessoas que “procuravam um relacionamento sério”. rsrs  Isso foi na era pré-internet. Se fosse hoje o estrago seria bem  maior!
Fiquei muito tempo sem ter notícias dela. Há alguns anos eu soube através de conhecidos comuns que ela se casou, teve muitos filhos, se separou e voltou a morar com a mãe. Não sei se hoje elas possuem televisão, nem quero saber.
Esse post foi uma catarse. Botei para fora sentimentos há muitos enterrados em mim. Revivi emoções há muito esquecidas.
A vida acaba nos ensinando que as pessoas passam, e os verdadeiros amigos ficam.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Da série: Eu confesso

Meu primeiro sonho foi ser escritora e morar em Londres. Sempre gostei de escrever. Hoje escrevo um blog. Mas há mais de seis anos que eu não vou a Londres. Sinto falta de lá. Em vidas passadas eu devo ter vivido lá, como nobre. Se fosse uma pobretona eu acho que não me identificaria tanto com aquela terra.

Aos quinze anos comecei a aprender violão. Eu e minha amiga Marcia. Tive aulas durante uns dois anos. Pensamos em formar uma banda, compusemos algumas músicas e ficávamos nos achando! Mas não vingou.

 Pensei em seguir carreira de violonista. Cheguei a começar a me preparar para prestar exame no Conservatório. Além da teoria tinha que executar um prelúdio de Villa Lobos. Dos seis prelúdios, escolhi o número dois por ser o mais palatável. Sinceramente? Acho Villa Lobos um chato de galochas! Suas composições são chatas, desarmônicas e propositalmente complicadas! Talvez a única que se salve é o Trenzinho Caipira e olhe lá! Não entendo essa veneração toda com ele! #Prontofalei!

Mas minha carreira de musicista durou pouco. Nunca fui boa em ler partitura, e o tal prelúdio era bem complicado. Nem cheguei a prestar os exames.  Nunca toquei tão bem quanto a Marcia. Meu ouvido musical também nunca foi tão bom quanto o dela. Confesso que tinha inveja. #Prontofalei!

Confesso que ouvi pessoas falando que ela tocava melhor do que eu. Na época isso me magoou muito. Confesso que também ouvi pessoas comentando que eu não tocava muito bem, mesmo sem me comparar com ninguém. E isso me deixou chateada.

Mas como eu tenho senso crítico, no fundo eu também achava que não tocava tão bem assim. E a vida seguiu.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Dezembros


Dezembro é mês de Natal, de férias escolares e de muitas lembranças.
Mês de calor infernal, de trânsito caótico, mas com uma brisa festiva, com cheiro de liberdade, de coisa nova.
Mês em que as pessoas estão mais ansiosas, mas também mais receptivas a compartilhar as esperanças do ano que está por vir. Décimo terceiro no bolso, lojas decoradas festivamente para o Natal e uma sensação boa de que todo mundo está na mesma vibe.
Lembro sempre com carinho dos meus Dezembros de estudante. Final de ano, dever cumprido, passar “raspando” depois de prova final. E depois…. férias, liberdade e muita praia regada a mate de barril e biscoito Globo!
Nos amigos, a mesma sensação de alegria, de poder contar com todos aqueles dias de sol para curtir despreocupados, e para completar ainda tinha o Natal e o Reveillon. Quanta festa! Quantas coisas a comemorar!
Já mais velha, mas ainda estudante, muita curtição nos barzinhos da vida, nas discotecas (pronto, entreguei a idade!), e muito bronzeado na pele. Muito nascer do sol nas pedras do Arpoador.
Sou carioca, por isso Dezembro para mim terá sempre o cheiro da brisa do mar, a sensação da brisa morna no rosto, o barulho das ondas.
Mesmo depois de começar a trabalhar, sem Dezembro, sem Natal e sem Ano Novo, a sensação permaneceu.
Ainda bem, pois essa sensação me ajudou a enfrentar os Dezembros dificeis que eu já passei. Sempre que eu me sentia triste, preocupada, revoltada, angustiada, procurava refúgio naqueles Dezembros felizes.
Isso me consolava e me dava a certeza de que outros viriam. A brisa do mar estaria lá, as pedras do Arpoador me esperariam no mesmo lugar, e a alegria e sensação de liberdade dos estudantes de agora me contagiariam e me fariam feliz.
Muitos dos que fizeram parte dos Dezembros felizes não estão mais aqui. Já não vou mais à praia, tenho outras obrigações.  Já não estudo. Agora mato um leão por dia.
Mas é Dezembro. E apesar de nostálgica, eu estou feliz!


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Esperando

Estou esperando uma notícia boa. Há muito tempo eu preciso de uma. Mas não estou de braços cruzados só esperando! Já coloquei a roda para girar.

Não sei se é a minha ansiedade, mas está demorando tanto! Nesse meio tempo fiquei doente e ainda estou me tratando. Tivemos alguns percalços na vida, mas estamos na luta.

Sem querer barganhar com Deus, mas já barganhando, acho que já tive minha cota de puxadas de tapete nessa encarnação. Já provei que posso me reconstruir dos escombros, apesar das cicatrizes que volta e meia se fazem sensíveis. Por que tanta prova de resistência?

Agora nessa etapa da minha vida o que eu quero é voltar para de onde eu vim. Quero ir para casa. Me sinto um peixe fora d'água. Quero retomar meu caminho de onde parti. De onde eu fui feliz. Será que é pedir muito?

Estou esperando uma boa notícia. Daquelas de fazer o coração explodir de tanta felicidade! De fazer os olhos brilharem, das pessoas notarem. Quando ela vai chegar? Esse ano ainda? Ou só no próximo? Espero que ela venha e que seja logo, que seja breve para aquecer meu coração.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Essa nota se destina a pessoas que se dão ao trabalho de acessar meu blog e deixar comentários "elucidativos".

Sim, eu sei que Confesso que Vivi é o título de um livro de Pablo Neruda. Já sabia disso inclusive quando batizei esse blog. Não me consta que eu tenha que pagar direitos autorais à família do escritor por usar uma frase de lugar comum como título de um blog de internet. Um entre milhares de outros.

Que Neruda viveu mais do que eu é certo. Se viveu mais intensamente eu já não sei, pois o conceito de intensidade é relativo. O que é intenso para Neruda pode não ser para mim e vice versa. Mas é mais cômodo pensar que um escritor famoso teve vida mais intensa do que uma ilustre desconhecida que escreve suas reflexões na internet.

Sei também que Lucy in the Sky with Diamonds é o título de uma canção dos Beatles. Sempre soube, e por isso mesmo utilizo como pseudônimo. Também não me consta que eu tenha que pagar direitos autorais por isso.

 Também estou ciente que esse blog é público, qualquer um pode acessar e deixar comentários, inclusive "anônimos" que são tão covardezinhos e preguiçosos que nem se dão ao trabalho de inventar um nome falso, só para dar "personalidade" ao comentário.

Ninguém é obrigado a concordar com nada do que escrevo aqui. Ninguém mesmo. Como diziam os antigos: "Quem fala o que quer, ouve o que não quer." Ou nesse caso, quem escreve o que quer, lê o que não quer.

Mas o direito de resposta é garantido!

Ficou claro?


domingo, 14 de outubro de 2012

Fuga

Fugi. Os mediquinhos eram bonitinhos mas todos ordinários. Depois de dar falsas esperanças, me aparece um outro cirurgião diferente do primeiro, novinho e arrogantezinho, que entrou no meu quarto sem bater e me disse assim na lata que eu teria que ser operada.

Fiquei sem fala. Quando a recuperei disse que tudo bem, mas eu tenho direito a uma segunda opinião. E que para ter uma segunda opinião eu teria que sair dali. Ele disse que não poderia me dar alta. Uma voz interior me gritava: "SAI DAÍ AGORA!!!"

Poucas vezes eu escuto minhas vozes interiores, e sempre me dou mal por isso. Desse vez eu resolvi escutar. Ele disse que se eu quisesse ir seria por minha conta e risco e que eu teria que assinar um termo de responsabilidade. Eu falei: "Assino agora!!!" Bem que meu irmão que tinha dado uma voltinha pela clínica constatou que a mesma estava vazia de pacientes.

Veio a enfermeira tirar o soro, veio uma junta de mediquinhos bonitinhos me fazer mudar de idéia dizendo que meu estado era grave. Fizeram terrorismo com meu marido, irmão e filho. Mas eu saí do inferno. Sem medicação sem nada. Não quiseram me prescrever nada.

No dia seguinte procurei Dr. Romeu (nome fictício), o ginecologista que me operou. Contei tudo e ele me indicou um colega cirurgião. O colega viu meus exames e constatou que como meu estado clínico é bom eu poderia ser tratada com antibióticos e talvez não haja necessidade de cirurgia. Pelo menos a curto prazo.

Faz 12 dias que eu saí do inferno. Até agora não morri, contrariando a previsão dos médiquinhos bonitinhos. Claro que vou me cuidar e se tiver mesmo necessidade vou operar. Mas não assim de qualquer jeito.

Semana que vem volto no médico. Estou mais disposta, apesar de deprimida. Ontem até fiz supermercado. Isso é tudo por enquanto.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

De noite na cama do hospital

Pouparei meus leitores da minha segunda noite na enfermaria por uma questão de caridade principalmente comigo mesma.

O fato é que meu amado marido ao me ver debulhada em lágrimas, deprimidíssima com a possibilidade de uma longa estadia e correndo o risco de ir fazer companhia a Dona Creozodete no CTI por conta de uma depressão profunda, resolveu me salvar tal qual cavaleiro andante. Me abraçou e me assegurou: "Vou te botar em um quarto. Vou ficar com você!" Como não se apaixonar por um homem assim? E aqui estou, sozinha no quarto. O tédio me consome, mas mil vezes aqui do que o carma coletivo que eu enfrentei.

Diverticulite. É o nome do que eu tenho, segundo o médico gatésimo que olhou meus exames. Aliás, os médicos daqui são todos gatos. Gatos bem novinhos por sinal. Se eu tivesse muitos anos a menos...
Mesmo assim não trocaria meu príncipe salvador que me resgatou from hell nem por um balaio cheio de gatos médicos. Mas olhar não é pecado!

Diverticulite foi o que matou Tancredo Neves. Pelo menos era o que diziam. Meu problema é um pouco maior porque inflamou e um abcesso começou a surgir. Mas segundo o Dr. Gato já que eu estou reagindo bem ao tratamento com antibióticos e o intestino funciona normalmente não haverá necessidade de cirurgia. Mais uns 2 ou 3 dias de controle e poderei ir para casa terminar o tratamento via oral. Assim não iremos a falência.

Tenho que deixar de me sentir invulnerável. Tenho que começar a me sentir velha.

Primeira noite

Meu prano de saúde dá direito a enfermaria ao invés de quarto particular. Se você quer ter a confirmação de que o inferno são os outros, passe uma noite numa enfermaria e terá certeza!

Fui encaminhada aos prantos para minha cela, ops, quarto coletivo. Lá chegando já tinha uma senhora ocupando o outro leito. A filha se preparava para passar a noite no sofá cama. Oiii??? E pode acompanhante em enfermaria???

Durante todo o tempo em que eu me acomodava, mãe e filha falavam sem parar. Depois de muito custo consegui com a enfermeira uma toalha para tomar banho. Lá estava eu no chuveiro quando escuto batidas na porta. Exclamei contrariada: "Pode entrar!"
Mais batidas. E eu já ficando puta: "O QUE É???" A porta se abre e entra a mãe com a filha atrás segurando o soro: "Ela precisa ir ao banheiro."

Porra, precisou eu entrar no banho para bater vontade???

Volto para minha cama tentando descansar. Mas as duas não param de falar. E já eram mais de 10 da noite.  Chegam dois enfermeiros para aplicar remédios na véia e em mim. Viro de lado e fecho os olhos, desejando com todas as forças estar sozinha lá.

Começo a escutar: "Ai, ai! Ui, ui!" Era a véia gemendo. Daqui a pouco escuto a filha: "Mãe??? MÃE???" Chegam dois enfermeiros. Um deles, provavelmente com talento para arte dramática, começa a exclamar: "Dona Creozodete!!! DONA CREOZODETE???" (nome fictício) "Aperta a minha mão!!!"

Aí já era demais!!! Tive que me virar para ver o que acontecia. Ao ver que eu estava olhando, a beesha dramática fecha a cortina na minha cara.

Levaram a véia para o CTI. A filha aos prantos decide ir para casa pois não se permitem acompanhantes lá. Liga para uma amiga ir busca-la.

E eu fico impressionada com o poder da mente! Quem diria que eu tinha tanta energia mental.  Em pouco tempo fiquei livre da mãe e da filha e com a enfermaria só para mim. Era 1 da manhã. Finalmente consegui dormir.

Pena que não consigo mentalizar com a mesma energia os números da mega-sena acumulada.

Para aqueles que estão com peninha da Dona Creozodete que foi parar no CTI pela força do meu pensamento, pensem que podia ter sido pior. Já pensou se ela fosse para o necrotério?

domingo, 30 de setembro de 2012

De cama

Começou com uma infecção urinária muito chata e persistente. Eu, mais persistente e teimosa, ao invés de tratar logo preferi negar meu estado e continuei minha vida normalmente. Trabalhei, viajei no meu aniversário para não perder as passagens compradas na promoção.

Quando a coisa ficou preta fui na emergência mais próxima que meu plano de saúde cobre. O médico passou antibiótico que tomei religiosamente durante sete dias. Mas a bactéria não cedeu. Depois de mais alguns dias passando mal, voltei à emergência e para minha surpresa precisei me internar para tratar com uma bomba intravenosa e ver se essa piranha dessa maldita bactéria sai desse corpo que não lhe pertence.

Para coroar meu início de ano astrológico, a tomografia constatou que estou com um abcesso de tamanho médio na bexiga e na alça intestinal. Tenho que fazer os sete dias de ciclo de antibiótico intravenoso e se o abcesso não ceder vou fazer cirurgia para drenar. E aqui estou eu, sentada numa cama de hospital, vendo programa Silvio Santos no dia em que a Hebe Camargo fez sua passagem.

Já fiquei deprimida, chorei e me revoltei. Nunca fiquei internada de sopetão e por tempo tão prolongado. Começo a pensar na vida, na morte, em filmes que me marcaram como Minha Vida sem Mim.

Nunca senti a morte tão íntima. Voei durante vinte anos e nesse tempo todo ela sempre se manteve a uma distância discreta.

Me pego pensando em coisas práticas, como a pensão de viúvo que meu marido, companheiro querido de tanto tempo, terá direito. E de como faze-lo entender que se ele não der entrada no INSS a mixaria vai ficar para esse governo corrupto. Já fui obrigada a deixar muita coisa para esses desgraçados. Minha pensão de morta eu não deixo!

Como convencer um machista convicto de que ele mesmo sendo homem pode requisitar uma coisa que é direito dele? Talvez com o argumento de que meu filhotinho muito amado só terá direito a algum caraminguá até os 21 anos. Depois acaba e só o viúvo pode solicitar.

Será que vão respeitar meu desejo de ser cremada só depois de 72 horas da minha passagem? Será que derramarão minhas cinzas das pedras do Arpoador, em dia e hora em que não haja farofeiros, chinelagem e gente feia e mal educada? Será que eu peço para esse ritual ser ao som da canção Sapato Velho da banda Roupa Nova, cujo significado só para mim faz sentido?

Será que ainda não será dessa vez que eu vou-me desse vale de lágrimas?

Voltarei para contar. Ou então peço alguém para psicografar.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Gabriela

Estou adorando rever Gabriela! O remake é tão fiel ao original, mas tão fiel que nem parece remake! A trilha sonora maravilhosa foi totalmente aproveitada. Até porque fazer outra melhor do que a primeira seria missão impossível, ou quase.

Juliana Paes está muito bem vestindo a personagem que um dia foi de Sonia Braga. Tão bem que nem parece que não é a Sonia Braga. Tão bem que encarnou completamente Gabriela. E as duas atrizes parecem uma só, separadas por décadas.

Não ver Armando Bogus no papel do turco Nacib causou certa estranheza no primeiro capítulo. Humberto Martins não carrega no sotaque, talvez para não soar falso, pois interpretar com sotaque não é para qualquer ator. Ele preferiu investir em outras características do personagem. Fez bem. E ficou tão bem que depois de algum tempo a gente nem lembra que não é o Armando Bogus. É apenas o turco Nacib.

Até Ivete Sangalo como Maria Machadão soou convincente, pois como ela não é atriz tiveram o cuidado de dar à personagem poucas falas, além de bota-la para cantar. A falta de diálogos é compensada pela mensagem não-verbal que sua presença exuberante emite. E isso basta. A porta voz do Bataclã ficou sendo a Zarolha, que na primeira versão era da Dina Sfat. Isso eu custei a me lembrar, mas da Zarolha atual eu me lembrarei.

Os coronéis, suas esposas e filhas também estão bem representadas. Colocar outro ator no papel de Coronel Ramiro, que foi de Paulo Gracindo era outra missão impossível. Mas Antonio Fagundes está dando conta do recado!

Lembro de mim mesma na primeira versão. Adolescente, aprendendo a tocar violão, escutando o LP da trilha sonora até furar. Encantada com a Bahia de Jorge Amado. Impressionada com o enterro de Dona Sinhazinha, quando a atriz Maria Fernanda se deitou no caixão (será que Maitê Proença vai fazer o mesmo?). Apaixonada pelo Mundinho de José Wilker. Apoiando a intrépida Malvina. Pensando que se um dia eu tivesse uma filha eu daria o nome de Gabriela.

Várias décadas separam a menina que eu era da mulher que hoje eu sou. É tanto tempo que às vezes nem parece que o tempo passou. Tanto tempo que às vezes parece que são duas pessoas, separadas por décadas.

sábado, 16 de junho de 2012

Perdido na praia de Ipanema

Final dos anos 60, férias de verão e praias cheias em Ipanema. Não era como hoje, com a invasão de tribos das mais diversas, mas a galera comparecia em massa.

Nessa manhã ensolarada, minha prima de Belo Horizonte com seus vinte e poucos anos curtia o verão carioca na praia, e como era uma moça carinhosa e prestativa se ofereceu para levar com ela os dois primos pentelhos, eu e meu irmão, então com sete e seis anos respectivamente.

Nós adorávamos, é claro! A jovem prima era responsável, mas nos deixava à vontade para brincar na água e na areia. Ao contrário da minha avó, que se entrássemos no mar com água acima dos joelhos já nos gritava para voltarmos para a parte "rasa".

Apesar de estar sempre de olho em nós, existe aquela fração de segundo em que o cérebro desvia a atenção, e aí coisas impensáveis acontecem.

Meu irmão e eu estávamos na beira da água conversando, e ele disse que queria andar até as pedras do Arpoador para ver o que tinha lá. Eu, na minha curiosidade infantil incentivei-o a fazer isso, e fiquei a observar enquanto ele se afastava todo animado, talvez achando que eu o estivesse seguindo. Até que sumiu de vista.

Algum tempo depois minha prima já nervosa veio me perguntar aonde ele estava. Eu não sabia. E começou o corre-corre à procura do menino perdido.

Eu achava tudo muito interessante e emocionante. O comportamento dos adultos correndo de um lado para o outro, perguntando para todo mundo. Parecia cena de filme onde eu era espectadora e queria ver o desfecho.

Resumindo a história: Meu irmão ao se ver perdido abriu o berreiro. Foi socorrido por uma senhora que tinha um filho da mesma idade e perguntou aonde ele morava. Ele apontou o prédio e a senhora se prontificou a leva-lo em casa. Para faze-lo parar de chorar o sorveteiro que tinha uma carrocinha da Kibon na calçada deu-lhe de presente um Chicabon.

Quando ele foi deixado em casa ninguém ainda sabia do que tinha acontecido. Minha prima continuava na sua busca desesperada pelo pequeno primo perdido, já imaginando o que iria dizer ao chegar em casa sem ele e a reação não menos desesperada dos demais membros da família.

Até que visualizou minha avó que da calçada tentava nos encontrar para avisar que o fujão já estava em casa são e salvo. Encontramos ele ainda saboreando o Chicabon dado pelo sorveteiro, muito calmo e tranquilo.

Minha prima teve que tomar calmante para relaxar a tensão e reviveu a culpa e o estresse desse momento dramático em sessões de análise que fez anos mais tarde.

Como esse post é meio uma confissão de culpa, quero deixar registrado um recado para ela:
Maria Carmen, a culpada fui eu que o incentivou a ir andando sozinho e fiquei olhando até ele desaparecer sem te falar nada. Poderia te-lo impedido mas não fiz. Poderia ter te avisado, mas também não fiz. Não foi  por raiva, ciúme ou outro sentimento mesquinho. Foi curiosidade pura e simples. Vontade de observar o que ia acontecer, como todos iriam se comportar. Não foi à toa que optei pela Psicologia anos depois dessa história. O estudo do comportamento e das reações humanas sempre me interessaram.

 Perdoe-me por ter te usado de cobaia no meu primeiro ensaio! Espero que os anos de análise tenham te ajudado a superar esse trauma!

Ah, e já que é a hora da retratação, eu confesso que fiquei com inveja do Chicabon que ele ganhou do sorveteiro.

domingo, 29 de abril de 2012

Quando eu era criança na minha casa tinha duas geladeiras. A família era grande por causa dos agregados que sempre apareciam para filar a boia, que por sinal era muito boa. E minha bisavó, a matriarca, fazia questão de ter sempre mesa farta para que todos pudessem se servir à vontade. Além de ter grande prazer em receber e alimentar a todos.

As duas geladeiras existiam na cozinha desde que eu me entendia por gente. Me acostumei com elas, uma de cada lado do armário onde se guardavam pratos, louças e talheres. Uma delas eu tenho certeza que era mais velha do que eu.

Era parecida com essa da foto. A porta não era aproveitável, o "congelador" não passava de uma portinhola. Abria-se com uma alavanca cromada.

A outra, mais "moderna", deve ter sido comprada quando eu ainda era muito pequena para dar conta de alguma coisa.

Devia ser a top das geladeiras da época. Anos 60. O homem pisava na lua e as donas de casa se deslumbravam com as novas maravilhas tecnológicas! Porta totalmente aproveitável. Congelador "espaçoso". O design do puxador da porta moderno e arrojado!

Mas existia um problema. Enquanto a geladeira jurássica sempre se comportou muito bem, cumprindo sua função de preservar os alimentos até morrer dignamente de velhice, a moderníssima começou a dar choques toda vez que alguém tocava no puxador para abrir a porta.

Era um saco! A gente ia distraído pegar alguma coisa na geladeira e PUF!!! Tomava choque! Se estivesse com as mãos molhadas então, era choque em dose tripla!

Chamou-se várias vezes o Seu Fulano que consertava geladeiras para resolver o problema. Ele ia embora e durante uns dois ou três dias não tinha choque. Mas depois disso, quando algum incauto botava a mão no puxador...PUF!!! Choque!

Tentamos contornar a situação amarrando um pano de pratos no puxador. Ao invés do contato direto, puxava-se pelo pano. Esse expediente teria funcionado melhor se volta e meia alguém com as mãos molhadas não pegasse no pano. Mas como em cozinhas é praticamente impossível não ter as mãos molhadas... PUF!!! Choque!

Mesmo assim a geladeira assassina reinou durante anos na cozinha da minha casa. Até que finalmente foi aposentada e trocada por outra que não dava choque.

Hoje os puxadores de geladeiras não dão mais choque. Às vezes eu até gostaria que dessem... Quem sabe assim evitariam que eu abrisse a geladeira com tanta frequencia à procura de alguma coisa para distrair os dentes. Quem sabe assim seria mais fácil eu perder alguns quilinhos...

sábado, 31 de março de 2012

O pó de sumiço



Sebastiana foi empregada lá em casa por muitos anos. Como toda empregada que fica na família por muito tempo, ela era considerada como um membro, e agia como tal na defesa de nossos interesses.
Quando eu tinha uns vinte anos, tive um namorado que a princípio parecia ser inteligente, culto e divertido. Fazia faculdade com meu irmão e eram amigos, e daí começou nosso namoro. Mas com o passar do tempo revelou seu verdadeiro “eu”. Um mala sem alça, imaturo e grudento. Namoramos por alguns meses, terminamos e voltamos algumas vezes.
Ele estava sempre na nossa casa, almoçava lá constantemente e fazia suas exigências. O prato principal era frango? Será que a Sebastiana podia fritar um bife para ele? Não tinha bife? Dava para ser um ovo frito?
Comia feito uma draga, talvez porque as refeições na casa dele fossem sempre racionadas. Lá era um bifinho para cada um, com uma colherzinha de arroz e olhe lá! Não porque não tivessem condições, pelo contrário. Eram mãos de vaca mesmo!
Tirava a barriga da miséria e depois reclamava que o tempero da Sebastiana era muito forte, que ela carregava na pimenta (o que não era verdade porque não gostamos de pimenta), e isso fazia mal ao seu estômago que era muito sensível.
Desnecessário dizer que Sebastiana, como todo profissional quando é criticado injustamente, não nutria nenhuma simpatia pela criatura. Achava-o folgado e abusado. Escamoteava os ovos dentro da geladeira para evitar pedidos de ovo frito.  E não fazia a menor questão de disfarçar sua antipatia.
Até que um dia eu me cansei e terminamos definitivamente. Foi aí que ele resolveu aparecer lá em casa em horários em que não era esperado, a seu bel-prazer. Se não tinha ninguém em casa, ele, na cara dura, abria a geladeira e procurava o que comer, provocando a ira da Sebastiana.
E como sabia dos meus horários, ficava por lá até eu chegar, valendo-se da amizade com meu irmão como desculpa. Só que ficava mesmo era no meu pé, querendo controlar minha vida, querendo saber se eu ia sair, e com quem, ou se já tinha outro na parada.
Era um pé no saco! Às vezes no final de semana eu estava em casa com amigos e o Encosto aparecia para marcar território, causando constrangimento. Como eu não queria armar barraco na frente de pessoas que não tinham nada a ver com isso, era obrigada a engolir sua presença. Não adiantava eu conversar com ele civilizadamente e pedir para ele não aparecer mais sem avisar. Entrava por um ouvido e saía pelo outro.
Um belo dia, ele simplesmente sumiu. Não aparecia mais, nem mesmo telefonava. Fiquei aliviada e comentei com Sebastiana sobre esse “milagre”.
A princípio ela não disse nada, mas passado um tempo ela confessou que tinha jogado pó de sumiço no rastro dele numa das vezes em que ele apareceu de surpresa e não tinha ninguém em casa.
Fiquei encantada!, Perguntei a ela como era esse pó, onde se conseguia, etc. (para uma futura eventualidade).
Ela, muito evasiva, só disse que conseguiu com um pai-de-santo vizinho dela. E que era tiro e queda!  Não consegui arrancar mais nada.
Perdi contato com ela com o passar dos anos. Uma pena, pois precisei desse pozinho milagroso por várias vezes, não para namorados, mas para certas pessoas que se diziam “amigas” e na verdade eram verdadeiros encostos!
Sei que o pó é vendido em casas de artigos religiosos, com o nome de “pó de mico” ou “pó de sumiço”, e é bem barato. Mas será que esses pozinhos industrializados tem a mesma eficácia do pó milagroso da Sebastiana?



sexta-feira, 30 de março de 2012

A nota do Tiradentes

Eu tinha uns cinco anos e voltava para casa da escola com minha avó. Estava no Jardim da Infância.

Alguns metros à minha frente visualizei uma nota como esta no chão. Cinco mil cruzeiros, o equivalente hoje a mais ou menos cinquenta reais.

Apesar da minha pouca idade eu já sabia que aquela nota vermelha com a cara do Tiradentes era a segunda de maior valor. A primeira era a nota de dez mil cruzeiros, cinzenta e com a cara de Santos Dumont.

Mas entre eu e o Tiradentes tinha um obstáculo: uma mulher que caminhava à nossa frente. Se ela visse a nota certamente a pegaria.

Alguns segundos depois, para meu alívio, a mulher passou batida pela nota, o salto alto pisando na ponta. Não esperei mais. Larguei a mão da minha avó, saí correndo e arremessei-me para pegar o dinheiro amassado.

Minha avó imediatamente veio atrás de mim e começou a me repreender por eu estar pegando "porcaria do chão". Quando eu mostrei meu tesouro a ela, triunfante, imediatamente sua expressão mudou. Passou de contrariada a espantada e depois desconfiada em questão de segundos. Olhou de um lado para o outro, provavelmente para ver se o dono do Tiradentes ainda estava por perto, ou para se certificar de que não se tratava de uma pegadinha. E guardou a nota em sua bolsa.

Não sei que destino ela deu ao dinheiro caído do céu (ou do bolso de alguém). E na verdade naquela época  isso era o que menos importava para mim.

A sensação de encontrar dinheiro assim do nada, no meio da rua, de ser a única a perceber que a nota estava lá, de superar o obstáculo que estava à frente (a mulher), e de ser a primeira a alcança-la valia mais do que tudo, numa época em que a gente acredita de verdade que emoções não tem preço!