sábado, 31 de março de 2012

O pó de sumiço



Sebastiana foi empregada lá em casa por muitos anos. Como toda empregada que fica na família por muito tempo, ela era considerada como um membro, e agia como tal na defesa de nossos interesses.
Quando eu tinha uns vinte anos, tive um namorado que a princípio parecia ser inteligente, culto e divertido. Fazia faculdade com meu irmão e eram amigos, e daí começou nosso namoro. Mas com o passar do tempo revelou seu verdadeiro “eu”. Um mala sem alça, imaturo e grudento. Namoramos por alguns meses, terminamos e voltamos algumas vezes.
Ele estava sempre na nossa casa, almoçava lá constantemente e fazia suas exigências. O prato principal era frango? Será que a Sebastiana podia fritar um bife para ele? Não tinha bife? Dava para ser um ovo frito?
Comia feito uma draga, talvez porque as refeições na casa dele fossem sempre racionadas. Lá era um bifinho para cada um, com uma colherzinha de arroz e olhe lá! Não porque não tivessem condições, pelo contrário. Eram mãos de vaca mesmo!
Tirava a barriga da miséria e depois reclamava que o tempero da Sebastiana era muito forte, que ela carregava na pimenta (o que não era verdade porque não gostamos de pimenta), e isso fazia mal ao seu estômago que era muito sensível.
Desnecessário dizer que Sebastiana, como todo profissional quando é criticado injustamente, não nutria nenhuma simpatia pela criatura. Achava-o folgado e abusado. Escamoteava os ovos dentro da geladeira para evitar pedidos de ovo frito.  E não fazia a menor questão de disfarçar sua antipatia.
Até que um dia eu me cansei e terminamos definitivamente. Foi aí que ele resolveu aparecer lá em casa em horários em que não era esperado, a seu bel-prazer. Se não tinha ninguém em casa, ele, na cara dura, abria a geladeira e procurava o que comer, provocando a ira da Sebastiana.
E como sabia dos meus horários, ficava por lá até eu chegar, valendo-se da amizade com meu irmão como desculpa. Só que ficava mesmo era no meu pé, querendo controlar minha vida, querendo saber se eu ia sair, e com quem, ou se já tinha outro na parada.
Era um pé no saco! Às vezes no final de semana eu estava em casa com amigos e o Encosto aparecia para marcar território, causando constrangimento. Como eu não queria armar barraco na frente de pessoas que não tinham nada a ver com isso, era obrigada a engolir sua presença. Não adiantava eu conversar com ele civilizadamente e pedir para ele não aparecer mais sem avisar. Entrava por um ouvido e saía pelo outro.
Um belo dia, ele simplesmente sumiu. Não aparecia mais, nem mesmo telefonava. Fiquei aliviada e comentei com Sebastiana sobre esse “milagre”.
A princípio ela não disse nada, mas passado um tempo ela confessou que tinha jogado pó de sumiço no rastro dele numa das vezes em que ele apareceu de surpresa e não tinha ninguém em casa.
Fiquei encantada!, Perguntei a ela como era esse pó, onde se conseguia, etc. (para uma futura eventualidade).
Ela, muito evasiva, só disse que conseguiu com um pai-de-santo vizinho dela. E que era tiro e queda!  Não consegui arrancar mais nada.
Perdi contato com ela com o passar dos anos. Uma pena, pois precisei desse pozinho milagroso por várias vezes, não para namorados, mas para certas pessoas que se diziam “amigas” e na verdade eram verdadeiros encostos!
Sei que o pó é vendido em casas de artigos religiosos, com o nome de “pó de mico” ou “pó de sumiço”, e é bem barato. Mas será que esses pozinhos industrializados tem a mesma eficácia do pó milagroso da Sebastiana?



sexta-feira, 30 de março de 2012

A nota do Tiradentes

Eu tinha uns cinco anos e voltava para casa da escola com minha avó. Estava no Jardim da Infância.

Alguns metros à minha frente visualizei uma nota como esta no chão. Cinco mil cruzeiros, o equivalente hoje a mais ou menos cinquenta reais.

Apesar da minha pouca idade eu já sabia que aquela nota vermelha com a cara do Tiradentes era a segunda de maior valor. A primeira era a nota de dez mil cruzeiros, cinzenta e com a cara de Santos Dumont.

Mas entre eu e o Tiradentes tinha um obstáculo: uma mulher que caminhava à nossa frente. Se ela visse a nota certamente a pegaria.

Alguns segundos depois, para meu alívio, a mulher passou batida pela nota, o salto alto pisando na ponta. Não esperei mais. Larguei a mão da minha avó, saí correndo e arremessei-me para pegar o dinheiro amassado.

Minha avó imediatamente veio atrás de mim e começou a me repreender por eu estar pegando "porcaria do chão". Quando eu mostrei meu tesouro a ela, triunfante, imediatamente sua expressão mudou. Passou de contrariada a espantada e depois desconfiada em questão de segundos. Olhou de um lado para o outro, provavelmente para ver se o dono do Tiradentes ainda estava por perto, ou para se certificar de que não se tratava de uma pegadinha. E guardou a nota em sua bolsa.

Não sei que destino ela deu ao dinheiro caído do céu (ou do bolso de alguém). E na verdade naquela época  isso era o que menos importava para mim.

A sensação de encontrar dinheiro assim do nada, no meio da rua, de ser a única a perceber que a nota estava lá, de superar o obstáculo que estava à frente (a mulher), e de ser a primeira a alcança-la valia mais do que tudo, numa época em que a gente acredita de verdade que emoções não tem preço!