domingo, 30 de setembro de 2012

De cama

Começou com uma infecção urinária muito chata e persistente. Eu, mais persistente e teimosa, ao invés de tratar logo preferi negar meu estado e continuei minha vida normalmente. Trabalhei, viajei no meu aniversário para não perder as passagens compradas na promoção.

Quando a coisa ficou preta fui na emergência mais próxima que meu plano de saúde cobre. O médico passou antibiótico que tomei religiosamente durante sete dias. Mas a bactéria não cedeu. Depois de mais alguns dias passando mal, voltei à emergência e para minha surpresa precisei me internar para tratar com uma bomba intravenosa e ver se essa piranha dessa maldita bactéria sai desse corpo que não lhe pertence.

Para coroar meu início de ano astrológico, a tomografia constatou que estou com um abcesso de tamanho médio na bexiga e na alça intestinal. Tenho que fazer os sete dias de ciclo de antibiótico intravenoso e se o abcesso não ceder vou fazer cirurgia para drenar. E aqui estou eu, sentada numa cama de hospital, vendo programa Silvio Santos no dia em que a Hebe Camargo fez sua passagem.

Já fiquei deprimida, chorei e me revoltei. Nunca fiquei internada de sopetão e por tempo tão prolongado. Começo a pensar na vida, na morte, em filmes que me marcaram como Minha Vida sem Mim.

Nunca senti a morte tão íntima. Voei durante vinte anos e nesse tempo todo ela sempre se manteve a uma distância discreta.

Me pego pensando em coisas práticas, como a pensão de viúvo que meu marido, companheiro querido de tanto tempo, terá direito. E de como faze-lo entender que se ele não der entrada no INSS a mixaria vai ficar para esse governo corrupto. Já fui obrigada a deixar muita coisa para esses desgraçados. Minha pensão de morta eu não deixo!

Como convencer um machista convicto de que ele mesmo sendo homem pode requisitar uma coisa que é direito dele? Talvez com o argumento de que meu filhotinho muito amado só terá direito a algum caraminguá até os 21 anos. Depois acaba e só o viúvo pode solicitar.

Será que vão respeitar meu desejo de ser cremada só depois de 72 horas da minha passagem? Será que derramarão minhas cinzas das pedras do Arpoador, em dia e hora em que não haja farofeiros, chinelagem e gente feia e mal educada? Será que eu peço para esse ritual ser ao som da canção Sapato Velho da banda Roupa Nova, cujo significado só para mim faz sentido?

Será que ainda não será dessa vez que eu vou-me desse vale de lágrimas?

Voltarei para contar. Ou então peço alguém para psicografar.